segunda-feira, 12 de março de 2018

MULHERES E RELIGIÕES - Para além da tolerância


 Caras e Caros leitores,
passando um longo tempo sem publicar, respeitando um percorrer sabático, nas publicações do blogger, venho publicar um artigo que esta sendo publicado num livreto da parceria da paroquia da Santíssima Trindade e da Faculdade Católica de SC - FACASC, onde fomos convidada para representar a religião de matriz afro-brasileira, no dia 16 de novembro (Dia Internacional da Tolerância) do ano de 2017. 
Participaram do debate os representantes do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, com o tema: MULHERES E RELIGIÕES: PARA ALEM DA TOLERÂNCIA

Segue a minha fala que representa apenas minha visão dentro do contexto do tema sugerido:
"...

                                    Benção para quem é de benção,  Motumbá 
   para quem é de motumbá,  Kolofé para quem
é de kolofé Sarava para quem é de saravá
Mukuiu, Amém, Aloha, Shalom,
 Aleluia, Namastê, Om Shanti

Por Kátia Luz¹ 

Representar a fé e a força das mulheres do santo – dos orixás – das mães de santo e das Santas Mães é uma profunda honra para qualquer sacerdotisa da Tradição de matriz Afro-brasileira.

Para além da tolerância ... devemos transitar até o Respeito.
Respeitar não é tolerar. Respeitar é silenciar. Silenciar não é calar a voz, é acolher o outro, como este outro se apresenta, com suas crenças, valores, opiniões e escolhas, além da sua etnia e tudo mais que o difere dos demais humanos.

Falar de Mulheres não é uma questão do feminismo, é uma questão de resgatar o Divino Sagrado da existência humana. Desde da inquisição que extinguiu as tradições matriarcais, as mulheres sobreviveram como “a costela do Adão”, tornando-a assim um objeto, o osso da costela, a segunda categoria do homem.

É impossível falar de mulheres se não nós mesmas, as próprias mulheres. Ninguém pode expressar os sentimentos, o aprendizado, a vivencia, o carinho ou a empatia pela visão da mulher senão a própria mulher. Um homem não consegue nem imaginar a dor de uma mulher, a perda que uma mulher teve, a humilhação que uma mulher sofre nos sistemas patriarcais. Apenas uma mulher pode saber o que outra mulher sabe, pois somos uma espelho da outra e isso é incomparável.

Assim também nenhuma etnia pode falar de outra etnia pois os traumas, dores, estigmas sofrido são diferentes. Uma mulher branca não vivencia as situações que uma mulher negra vivencia, nem uma mulher negra a de uma mulher indígena, somos diferentes dentro do próprio gênero feminino. 

A tradição de matriz Afro-Brasileira 

A tradição de matriz afro-brasileira é composta de todas as nações do candomblé e da umbanda e há uma diferença forte entre as duas correntes que ainda se subdividem-se em várias ramificações (nações). 
A tradição de matriz afro-brasileira não segue um livro nem manuscritos, pois todo o conhecimento, doutrina, fundamentos ritos e rituais são repassados de forma ORAL nas diversas iniciações (imersões) de ascensão do conhecimento nesta escola espiritualista.  
A matriz africana, representada pelas casas de candomblés, não é cristã. Por outro lado, a Umbanda é cristã porque crê no Mestre Jesus Cristo e no sincretismo católico, também é africana, é indígena e é oriental no que tange sua filosofia, ritos e rituais, arte além da tradição dos antepassados, é a soma de todas as “raças”, porque para a Umbanda só temos uma raça: a humana. 
A Umbanda é uma religião puramente brasileira e holística. 
A umbanda é o que guia minha fé. 

As mulheres da Tradição 

As mulheres, na Tradição de matriz afro-brasileira, são extremamente respeitadas, são consideradas as Imperatrizes, as Rainhas, as Mães de santo, as Santas Mães (Iabás) orixás femininas. As consideradas Rainhas são as próprias Orixás femininas, principalmente Iansã, Oxum e Obá que foram verdadeiramente rainhas coroadas na África, quando viveram pela Terra, mas temos também as orixás Iemanjá, Naná, Euá, Ia Mi Oxorongá.
  
Como sistema matriarcal, na tradição de matriz afro-brasileira, os cargos mais importantes de um casa de axé candomblecistas são ocupados 
exclusivamente por mulheres: pelas mães de santo, as Iyá, as Ialorixás², Iaquequeres³, as Iyabassês(4) e outros. Na Umbanda existem, também, os mesmos cargos, porem com outras denominações, mas são as mesmas funções e exclusivamente das mulheres, como as cambonas, as cozinheiras do santo, as mães pequenas, as mãezinhas chamadas assim por executar tarefas da “segunda” mãe de santo da casa. 

Outra característica do sistema matriarcal da tradição de matriz afro-brasileira é a egrégora das energias femininas, principalmente a Umbanda, são as energias Yin: do acolhimento, do cuidado, do chazinho, da comida na cozinha, do fogão a lenha, do aquietar-se, do rezo, do benzer, dos cânticos e mantras aos orixás. 
A Umbanda, em todas as ramificações, tem em sua egrégora a passividade, como pode-se observar com o hino da Umbanda:  
Refletiu a luz Divina Em todo seu esplendor É no reino de Oxalá Onde há paz e amor! ...  

O candomblé, em todas suas nações, também são pacificadores, mas possui uma luta principalmente pela resistência inclusive no movimento negro. 

A religião de matriz afro-brasileira é tão feminina em sua essência que a maioria das casas são coordenadas por mulheres, senão for pela função do sacerdócio, é por todas as demais, que são inerentes da tradição. Essa energia - egrégora, é tão acolhedora e feminina (yin) que uma grande parcela dos pais de santo são homossexuais e alguns ainda tem como “donas” do seu Ori (cabeça) uma deusa, uma orixá, uma divindade feminina. 
O sistema matriarcal na tradição da matriz afro-brasileira é a fortaleza, a beleza, a resistência, o amor fraterno e incondicional. 
Uma mãe de santo, em sua missão, além do cuidado espiritual tem como foco o de empoderar suas filhas e seus filhos de santo dando-lhe axé de vida e do poder individual como ser humano especial, fomentando para que cada qual valorize seu próprio potencial, seu talento para ter visibilidade nas suas atividades pessoais, familiares, profissionais e sociais. 

O compaixão religiosa fomentada pelos fundamentos, ritos e rituais do sistema matriarcal da Tradição de matriz afro-brasileira manteve unidos, em torno das mães de santo – sacerdotisas (famílias de santo), todas as comunidades afrodescendentes, no que diz no respeito ao sistema socioeconômico instituído desde o período escravocrata e pela imposição da religião católica, o que exigiu maior cuidado em preservar as práticas culturais coletivas e seus valores.  
Historicamente, algumas mulheres sacerdotisas se destacaram, na conjuntura histórica brasileira, discriminatória e exclusivista, pelas suas atuações na resistência e no movimento de políticas públicas em benefício da tradição de matriz afro-brasileira, tanto no contexto religioso como no cultural.  
Estas mães santas, no transcorrer da vida acolhem espiritualmente todas as pessoas que buscam conselhos ou ajuda espiritual para a cura física ou de alma, sem discriminar ninguém, nem pela raça, cor, religião, classe social, gênero ou doutrina, mesmo aqueles que negam a elas o "direito a diferença". 

Mulheres de destaque  

Antes de citar as mulheres importantes no contexto brasileiro, cito as grandes sacerdotisas da grande Florianópolis: 
Mãe Ida de Xangô (Guilhermina Barcelos) fundou a primeira casa de Umbanda de Almas e Angola em Santa Catarina; Mãe Malvina de Ogum considerada a casa mais antiga de Florianópolis (Coloninha) Mãe Ana de Nanã (Caboclo Turi) primeiro centro de Umbanda da Ponta do Leal, sua casa era frequentada pela alta sociedade florianopolitana; mãe Cristina (Coloninha); mãe Dilma de Iemanjá foi a primeira a colocar o nome da casa de santo como Terreiro de Umbanda Reino de Iemanjá dizendo “o povo de santo tem que parar de se esconder” e também “vamos para as ruas mostrar quanto somos, Ogum é estrada então que haja a carreata de Ogum – São Jorge”; Mãe Ilka de Iansã a flor da Umbanda de Almas e Angola que mais assentou tendas espiritas na grande Florianópolis,; mãe Lídia; mãe Lili (chácara da Espanha) do Caboclo Arruda; mãe Cota (Estreito); mãe Erondina (Balneário do Estreito); Atualmente mãe Bete de Xangô, mãe Lurdinha; mãe Olivia. 
na esquerda com penacho mãe Lili com o Caboclo Arruda e no centro mãe Ana com o Caboclo Turi
Minha ancestralidade consanguínea iniciou com a mãe Ana de Nanã (Caboclo Turi) que foi nossa primeira sacerdotisa; minha mãe carnal – mãe Dilma de Iemanjá (2ª sacerdotisa) que herdou a casa de Umbanda e eu, mãe Kátia Luz d’Omulú (3ª e atual sacerdotisa do axé)
Mãe Dilma na esteira e Mãe Ida em ritual sagrado
A minha ancestralidade de “feitura”: sou filha de mãe Hilka de Iansã e tenho como zeladora atual mãe Nilva de Oxalá (uma das irmã de santo mas velha), sou neta de pai Evaldo de Oxalá e bisneta de mãe Ida de Xangô (a qual foi a responsável em "retirar o vume da minha coroa").
mãe Nilva de Oxalá e mãe Dilma de Iemanjá
No Brasil vamos citar mulheres que a antropóloga Rita Amaral (2007) destaca em sua pesquisa, sobre as mães de santo pela Universidade de São Paulo, que estas mulheres e mães são reconhecida historicamente, e por qualquer filha ou filho de santo, em todo esse Universo Divino. 
Mãe Aninha de Xangô, nascida em 1869, na Bahia - Ela foi capaz de iniciar uma política de diálogo com a sociedade, de modo flexível e inteligente, abrindo espaços de respeitabilidade para sua religião, suas sucessoras e para sacerdotisas de todo o país. Mãe Ciata de Oxum, como era comum às mães-desanto da época, cultuavam seus orixás e ao mesmo tempo era católica, personagem infalível na Festa da Penha. Mãe Mirinha (1924-1989), conhecida como Mirinha do Portão foi outra mãe-de-santo, que mudou a vida dos que a conheceram. Mãe Beata de Iemanjá (1931-2017) foi uma mãe-de-santo, escritora e artesã brasileira, desenvolveu trabalhos relacionados à defesa e preservação do meio ambiente, aos direitos humanos, à educação, saúde, combate ao sexismo e ao racismo. Mãe Senhora – Maria Bibiana do Espírito Santo, Oxum Muiwá, de 1900, descendente da tradicional família da nação Ketu, nasceu na Ladeira da Praça em Salvador, Bahia. Assumiu a direção do Ilê Axé Opô Afonjá após a morte de mãe Aninha, em São Gonçalo do Retiro. Mãe Stella de Oxóssi uma das mais importantes ialorixás do candomblé da Bahia, líder no Ilê Axé Opô Afonjá. Atuante tanto em sua comunidade como nas entidades representativas da tradição africana, é conhecida por recusar a ideia do candomblé como uma seita sincrética, afirmando sua legítima condição de religião no Brasil. Lutou pela democratização cultural, combatendo a discriminação de negros, pobres, mulheres e dos socialmente marginalizados – a mesma que durante muito tempo 
marcou o candomblé – abriu perspectivas para inúmeras pessoas e comunidades antes desvalorizadas. “todo terreiro é, em princípio, uma família, porque é uma família espiritual”. Menininha do Gantois – Escolástica Maria da Conceição Nazaré, filha de Oxum, considerada a grande mãe-de-santo do Candomblé no Brasil. Foi uma grande líder espiritual que ajudou a tornar mais aceita a religião. 
 Impossível citar todas as mulheres fortes, empoderadas, guerreiras, donas dos seus axé, todas as mães-de-santo, negras, mulatas ou brancas, de todas as regiões do país que fazem nossa Tradição resistir aos diversas estigmas e preconceitos (Amaral, 20075) 

Este é o caminho que eu percorro, uma jornada no cuidado e é minha forma de honra-las!!! 

Sarava a Umbanda! (109 anos de fundação) 
Sarava todas as tradições sagradas! 
Sarava Oxalá e todos os orixás! 
Sarava Mestre Jesus Cristo, Mãe Divina e Zambi!"

Que tenham aproveitado um pouco desse texto-palestra ministrado

Benção de Deus Mãe e Deus Pai recaiam sobre todas e todos nós!!!

Gratidão 

1 Sacerdotisa de Umbanda da Casa Luz d’Omulú – Associação Beneficente do Terreiro de Umbanda Reino de Iemanjá, 7º grau iniciático de Umbanda de Almas e Angola.  
2 Ialorixás – as Iyá são as mães de santo 
3 Iaquequerê são as mães pequena da casa 
4 Iyabassê são as cozinheiras de santo                                                     
5 AMARAL, Rita. Mães-de-Santo, mães de tanto: O papel cultural das sacerdotisas dos cultos afro-brasileiros. Os Urbanistas: Revista de Antropologia Urbana. Ano 4, v. 4, n. 6, dez/2007