sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Sistema Organizacional - Parte 2

I – HIERARQUIA ORGANIZACIONAL GENEALÓGICA
A primeira hierarquia do ritual de Almas e Angola é a família de santo – a Genealogia. A família-de-santo é o aspecto constitutivo da estrutura de rede do povo-de-santo, conforme conceitua Tramonte (2001).
A ponta da pirâmide organizacional do ritual de Almas e Angola, no sistema genealógico, é a mãe Ida de Xangô – ver figura acima que representa a primeira formação genealógica da ritualística.
A família-de-santo começa pela mãe-de-santo ou o pai-de-santo, chefe do terreiro. Os filhos-de-santo são todos os que foram iniciados pela mãe ou pai-de-santo. Muitas vezes, esta linhagem se mistura com a linhagem biológica. Lima (1977), que analisou o sistema da família religiosa baiana, diz que entre os negros africanos, em situação de escravidão, a “linhagem-d- santo” não coincidia com a linhagem biológica, já que raramente era possível que esta fosse reconstituída no contexto escravista. Aponta, ainda, que foram raros os casos em que a linhagem da família se conservou, com alguma coerência estrutural, na organização dos terreiros da Bahia.
Segundo Tramante, as genealogias apresentam maior consistência do lado da linhagem religiosa, mais facilmente identificável dos que a biológica, fragmentada pelo sistema escravocrata. A partir destas considerações, pode-se imaginar a importância que assume a família-de-santo entre os adeptos das religiões afro-brasileiras, penetrando no vazio emocional e social deixado pela família biológica.
No ritual de Almas e Angola, a família-de-santo se forma da mesma maneira que todo ritual de origem africana de santo; além se considerar que os laços familiares constituem os elos da rede do povo-de-santo, unidos por meio da iniciação no santo. Os compromissos firmados por meio desses laços constituem compromissos aceitos com nas ordens iniciáticas em geral, porém, percebe-se que mais amplos no plano das obrigações recíprocas e muito mais densos no âmbito psicológico das emoções e do sentimento. São laços efetiva e afetivamente familiares. A mãe-de-santo é, para o filho-de-santo, é aquela que o recebe em gestação do santo, fazendo nascer novamente para uma nova vida religiosa, através das camarinhas, iniciações, imersões.
Na família-de-santo, a hierarquia, as normas, as punições e premiações são mais rígidas e mais definidas que na família biológica, cuja estrutura vive atualmente um momento de crise, com a dissolução dos antigos valores e a indefinição na construção dos novos. Na família-de-santo, as regras, as promoções, a hierarquia mantêm-se basicamente as mesmas ao longo do tempo. Segundo Tramonte, mesmo com a rigidez da família-de-santo, a “velha guarda da religião”, leia-se, os mais antigos “no santo”, queixem-se da ausência de “respeito e consideração” da parte dos mais jovens ao comparar a obediência dos jovens atuais com a que devotavam os filhos-de-santo de antigamente aos seus pais ou mães-de-santo. Muitas das tradições ainda se mantêm, apesar de menos rígidas.
Dentro da hierarquia da família-de-santo, forma-se com a mãe-de-santo, que é uma sacerdotisa em primeiro grau; vêm depois os filhos-de-santo, os netos, os bisnetos, os tataranetos.
Em Santa Catarina, Almas e Angola ficou conhecido quando a sacerdotisa Mãe Ida – Guilhermina Barcelos -, a pedido de seus guias espirituais, foi ao Rio de Janeiro com o intuito de se “fortalecer”, bem como ao templo que dirigia, já que o sacerdócio exigia conhecimento e sabedoria e naquela época, década 50, não havia curso de Teologia ou qualquer outro para subsidiar as orientações aos adeptos sob sua responsabilidade.
Ao retornar da cidade do Rio de Janeiro, readaptou o templo para praticar o ritual com o auxílio do Pai D'Ângelo que assumiu a zeladoria do axé. Os primeiros médiuns a receberem as “obrigações de santo” na nova ritualística pelas mãos de Mãe Ida foram: Aldo Cocoroca, Maria de Jesus Geraldo – a Bia de Obaluaê -, Telles de Xangô Afonjá, Valmor, Alci de Ogum, Carmem de Obaluaê, Evaldo de Oxalá. Outras médiuns também iniciadas foram a Maria da Glória de Obaluaê e Oxum, a Dina de Obaluaê e Iemanjá – que recebe a Vovó Rita (no Saco dos Limões), Erondina de Xangô. Quando pesquisamos as informações sobre os inícios da história da nossa nação [1], soubemos que estes nomes foram todos atribuídos pela mãe Ida, ainda em vida, a cada um dos iniciados. Mãe Ida é a precursora do ritual de Almas e Angola em Santa Catarina. Assim iniciou a primeira metodologia hierárquica do ritual de Almas e Angola, sendo a matriarca a ponta dessa pirâmide hierárquica.
Para formação da hierarquia genealógica temos como base a mãe Ida de Xangô (precursora) – 1º grau –, que teve seus filhos-de-santo, dentre deles o Pai Evaldo d’Oxalá – 2º grau –; que teve seus filhos (netos da mãe Ida), dentre eles mãe Hilca de Iansã – 3º grau –, que teve seus filhos (bisnetos da mãe Ida), dentre eles, mãe Dilma Ana de Iemanjá – 4º grau –, que teve seus filhos (tataranetos de mãe Ida), dentre eles mãe Tânia de Oxalá – 5º grau –, que teve seus filhos (tataraneto de mãe Ida) – 6º grau, e assim sucessivamente (ver fig. 01).
A descendência escreve Tramonte, constitui o principal patrimônio espiritual da família-de-santo. Afirma, ainda, que “são, portanto, motivo de grande prestígio social e religioso e reconhecimento público do líder. É o caso de Guilhermina Barcelos, a conceituada Mãe Ida, que cita com orgulho seu “parentesco de santo”. A longa e exaustiva lista de seus filhos-de-santo “feitos”, bem como as raízes de sua ascendência, é um signo marcante de sua ancestralidade “no santo” e, portanto, prova da solidez de sua formação dentro da tradição religiosa afro-brasileira.





[1]  Informações colhidas pessoalmente de Mãe Ida em 1996, pela autora, por ocasião da obrigação de 14 anos de ialorixá de Almas e Angola da mãe Dilma de Iemanjá, no TURI. Estas informações podem ser confirmadas no site de Clóvis Tupiniquim Barbosa (site: www.saocosmedamiao.com.br) e nos livros de Giovani Martins, cfr. ref. bibliográficas.