domingo, 12 de junho de 2011

Continuação do artigo - Sistemas Organizacionais de Almas e Angola - Parte 3

II – TRÍPLICE HIERARQUIA DO TEMPLO
A segunda hierarquia organizacional que existe dentro do ritual de Almas e Angola é a Tríplice Hierarquia do Templo, que existe em toda a religião de Umbanda, constituída pela (o): Sacerdotisa ou Sacerdote, Ogã – o responsável pelos instrumentos e cânticos durante as cerimônias e Cambone – a (o) responsável por servir (estar a serviço de) a sacerdotisa e as entidades incorporadas (ver Fig. 03).
Esses três cargos (Sacerdote – pai ou mãe de santo, Ogã e Cambone) são considerados os mais importantes dentro de um templo de Umbanda, haja vista serem os responsáveis pela manutenção energética, organização e harmonia durante uma sessão – gira (ver fig. 02)
Fig. 02 - Tríplice Hierarquia simplificada do Templo
Fonte: KRL
Atualmente, esta tríplice hierarquia tem-se perdido, ou melhor, modificada em função de uma nova sistemática que esta surgindo, para dar sustentabilidade ao processo de hereditariedade dos templos de Umbanda, principalmente dentro dos terreiros que praticam Almas e Angola. Esta nova sistemática surge em alguns casos específicos como família biológica como parte integrante da família-de-santo, isto é, a família biológica se une, agrega à família-de-santo. Nestes casos, percebe-se a presença de um dos membros da família biológica da sacerdotisa ou sacerdote junto à família-de-santo dentro do ritual, recebendo iniciações do santo, conduzindo-o ao processo sucessório, passando a exercer o papel de segunda pessoa do templo e exerce a função de co-coordenador das atividades ritualísticas, cabendo-lhe por responsabilidades, inclusive a de feitura de filhos-de-santo. Neste caso, forma outra família-de-santo dentro de família-de-santo original, porém todos subordinados à sacerdotisa principal do templo, como dela fossem filhos.
No processo da tríplice hierarquia emerge outro processo, a saber: quando o cônjuge do sacerdote ou sacerdotisa se torna pai ou mãe-de-santo, formando ele/ela também sua família-de-santo, mas assumindo posição de segunda pessoa na hierarquia, neste caso também, a subordinação é a sacerdotisa ou sacerdote principal, nesta situação não se observa o processo sucessório de forma clara, porém o processo sucessório natural leva afirmar a sucessão diante da nova liderança no conjunto geral da família-de-santo.
Uma deficiência atual, observada na tríplice hierarquia, é a falta de compromisso dos ogãs para com o templo e a sacerdotisa. Embora os Ogãs sejam preparados para exercerem a função de líder e responsável pelo equilíbrio e harmonia da casa, muitos não exercem essa liderança, refletindo a fragilidade de um templo.

Fonte: KRL - Tríplice Hierarquia do Templo
Fig. 03

III – HIERARQUIA DOS SETE GRAUS DE IMERSÃO
Como todo ritual e filosofia, Almas e Angola possui um codificador, o sacerdote Pai Evaldo d'Oxalá, filho-de-santo de Mãe Ida, e que dirigiu com muito zelo e honradez a Tenda Espírita Jesus de Nazaré, em São José/SC, até o dia de sua passagem, morte, desencarne.  Quando transcorreram os sete anos da obrigação de babalorixá de Almas e Angola, de pai de Evaldo, surgiu uma nova corrente filosófica dentro do ritual de Almas e Angola, abençoada por São Miguel Arcanjo, anjo responsável pelo ritual.  Observou-se que os que aceitaram esta transformação vibram energeticamente uma oitava acima dos outros, numa nova consciência, num novo padrão mental.
A Almas e Angola tem como objetivo desenvolver, aperfeiçoar e fortalecer as faculdades mediúnicas, o orixá, bem como ancorar o Anjo da Guarda e capacitar cada médium a percorrer os sete graus iniciáticos em direção ao seu crescimento espiritual para viver plena e conscientemente sua vida.
Para cada grau alcançado pelo filho-de-santo, forma-se uma hierarquia dentro do um templo de Almas e Angola. A terceira hierarquia do ritual de Almas e Angola é a que se compõe dos sete graus iniciáticos, a saber:
1ª iniciação ou grau: consagração das águas – batismo ou confirmação de batismo;
2ª iniciação: coroação de bori;
3ª iniciação: coroação para mãe ou pai pequeno – coroa pequena;
4ª iniciação: coroação de ialorixá ou babalorixá – coroa maior;
5ª iniciação: reforço de sete (7) anos da coroa de ialorixá ou babalorixá de Almas e Angola;
6ª iniciação: reforço de quatorze (14) anos da coroa de baba;
7ª iniciação: reforço de vinte e um anos (21) anos da coroa de baba – grau de tatalorixá.

Fig. 04 - Modelo codificado dos 7 graus de imersão
Fonte: KRL


IV – QUARTA HIERARQUIA: SACERDOTAL

Verifica-se a existência uma quarta hierarquia na ritualística chamada Sacerdotal. Esta quarta hierarquia é formada pelas pessoas pertencentes aos quatro últimos graus iniciáticos, que, após a feitura de ialorixá ou babalorixá o ou a médium pode iniciar seu caminho sacerdotal se desejar (ver fig.05). Com essa imersão já é possível “sentir o chamado” para abrir uma casa e exercer a vida sacerdotal.
Toda organização religiosa instituída tem o conhecimento da necessidade da instrução e formação sacerdotal, que nos seus primórdios, era passado de forma oral, de Mestre para discípulo. Para as instituições governamentais, a sacerdotisa ou sacerdote é o líder reconhecido oficialmente por uma comunidade, registrado em documentos oficiais das instituições religiosas como o sendo chefe, pai, padre, ministro religioso.
Desde o mundo antigo foram criadas escolas iniciáticas de preparo sacerdotal coletivo, onde seus mistérios são compartilhados pelo grupo.

 Na religião de Umbanda também há preparação dos médiuns, para que no futuro haja o despertamento para a missão do sacerdócio. Esses médiuns são preparados no mesmo ambiente, isto é, dentro dos terreiros pelos guias que o acompanham desde o início de sua caminhada mediúnica juntamente com a sacerdotisa da casa. Como não há uma escola própria para o estudo e a preparação do sacerdócio na ritualística de Almas e Angola, os médiuns recebem o conhecimento durante as iniciações, feitura-de-santo, dentro do templo e é igual para todos, sendo o despertamento do sacerdócio propriamente dito como um momento numinoso.
Ser sacerdotisa ou sacerdote, além de ser mãe de-santo ou pai-de-santo, é assumir muitas responsabilidades, tanto religiosa e espiritual, como social e fiscal, como exemplificamos a seguir:

·         Administrar o templo (pagar impostos - IPTU, IR, taxas – água, luz;
·         Ser responsável judicial e extrajudicialmente;
·         Celebrar e consagrar momentos especiais e ritos;
·         Doutrinar os adeptos
·         Orientar os seguidores
·         Orar em benefício de outrem;
·         Feituras de santo;
·         Zelar pela sua família-de-santo (filho, adepto, seguidor);
·         Capacitar os iniciados;
·         Participar de encontros dos Sacerdotes;
·         Promover a religião;
·         Ser referencia como Ser Humano (valores humanos, éticos, disciplinadores);
·         Ser conhecedor dos ritos, rituais, celebrações, filosofias, teosofia da religião;
·         Ser conhecedor da legislação que rege os sistemas organizacionais religiosos;
·         Outras atividades inerentes à função sacerdotal.

Fig. 05 – Graus iniciáticos
Fonte: KRL.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Sistema Organizacional de Almas e Angola - Parte 2








I – HIERARQUIA ORGANIZACIONAL GENEALÓGICA
A primeira hierarquia do ritual de Almas e Angola é a família de santo – a Genealogia. A família-de-santo é o aspecto constitutivo da estrutura de rede do povo-de-santo, conforme conceitua Tramonte (2001)[1].
A ponta da pirâmide organizacional do ritual de Almas e Angola, no sistema genealógico, é a mãe Ida de Xangô – ver figura acima que representa a primeira formação genealógica da ritualística. Fonte: KRL
A família-de-santo começa pela mãe-de-santo ou o pai-de-santo, chefe do terreiro. Os filhos-de-santo são todos os que foram iniciados pela mãe ou pai-de-santo. Muitas vezes, esta linhagem se mistura com a linhagem biológica. Lima (1977), que analisou o sistema da família religiosa baiana, diz que entre os negros africanos, em situação de escravidão, a “linhagem-de- santo” não coincidia com a linhagem biológica, já que raramente era possível que esta fosse reconstituída no contexto escravista. Aponta, ainda, que foram raros os casos em que a linhagem da família se conservou, com alguma coerência estrutural, na organização dos terreiros da Bahia.
Segundo Tramante, as genealogias apresentam maior consistência do lado da linhagem religiosa, mais facilmente identificável dos que a biológica, fragmentada pelo sistema escravocrata. A partir destas considerações, pode-se imaginar a importância que assume a família-de-santo entre os adeptos das religiões afro-brasileiras, penetrando no vazio emocional e social deixado pela família biológica.
No ritual de Almas e Angola, a família-de-santo se forma da mesma maneira que todo ritual de origem africana de santo; além se considerar que os laços familiares constituem os elos da rede do povo-de-santo, unidos por meio da iniciação no santo. Os compromissos firmados por meio desses laços constituem compromissos aceitos com nas ordens iniciáticas em geral, porém, percebe-se que mais amplos no plano das obrigações recíprocas e muito mais densos no âmbito psicológico das emoções e do sentimento. São laços efetiva e afetivamente familiares. A mãe-de-santo é, para o filho-de-santo, é aquela que o recebe em gestação do santo, fazendo nascer novamente para uma nova vida religiosa, através das camarinhas, iniciações, imersões.
Na família-de-santo, a hierarquia, as normas, as punições e premiações são mais rígidas e mais definidas que na família biológica, cuja estrutura vive atualmente um momento de crise, com a dissolução dos antigos valores e a indefinição na construção dos novos. Na família-de-santo, as regras, as promoções, a hierarquia mantêm-se basicamente as mesmas ao longo do tempo. Segundo Tramonte, mesmo com a rigidez da família-de-santo, a “velha guarda da religião”, leia-se, os mais antigos “no santo”, queixem-se da ausência de “respeito e consideração” da parte dos mais jovens ao comparar a obediência dos jovens atuais com a que devotavam os filhos-de-santo de antigamente aos seus pais ou mães-de-santo. Muitas das tradições ainda se mantêm, apesar de menos rígidas.
Dentro da hierarquia da família-de-santo, forma-se com a mãe-de-santo, que é uma sacerdotisa em primeiro grau; vêm depois os filhos-de-santo, os netos, os bisnetos, os tataranetos.
Em Santa Catarina, Almas e Angola ficou conhecido quando a sacerdotisa Mãe Ida – Guilhermina Barcelos -, a pedido de seus guias espirituais, foi ao Rio de Janeiro com o intuito de se “fortalecer”, bem como ao templo que dirigia, já que o sacerdócio exigia conhecimento e sabedoria e naquela época, década 50, não havia curso de Teologia ou qualquer outro para subsidiar as orientações aos adeptos sob sua responsabilidade.
Ao retornar da cidade do Rio de Janeiro, readaptou o templo para praticar o ritual com o auxílio do Pai D'Ângelo que assumiu a zeladoria do axé. Os primeiros médiuns a receberem as “obrigações de santo” na nova ritualística pelas mãos de Mãe Ida foram: Aldo Cocoroca, Maria de Jesus Geraldo – a Bia de Obaluaê -, Telles de Xangô Afonjá, Valmor, Alci de Ogum, Carmem de Obaluaê, Evaldo de Oxalá. Outras médiuns também iniciadas foram a Maria da Glória de Obaluaê e Oxum, a Dina de Obaluaê e Iemanjá – que recebe a Vovó Rita (no Saco dos Limões), Erondina de Xangô. Quando pesquisamos as informações sobre os inícios da história da nossa nação [2], soubemos que estes nomes foram todos atribuídos pela mãe Ida, ainda em vida, a cada um dos iniciados. Mãe Ida é a precursora do ritual de Almas e Angola em Santa Catarina. Assim iniciou a primeira metodologia hierárquica do ritual de Almas e Angola, sendo a matriarca a ponta dessa pirâmide hierárquica.
Para formação da hierarquia genealógica temos como base a mãe Ida de Xangô (precursora) – 1º grau –, que teve seus filhos-de-santo, dentre deles o Pai Evaldo d’Oxalá – 2º grau –; que teve seus filhos (netos da mãe Ida), dentre eles mãe Hilca de Iansã – 3º grau –, que teve seus filhos (bisnetos da mãe Ida), dentre eles, mãe Dilma Ana de Iemanjá – 4º grau –, que teve seus filhos (tataranetos de mãe Ida), dentre eles mãe Tânia de Oxalá – 5º grau –, que teve seus filhos (tataraneto de mãe Ida) – 6º grau, e assim sucessivamente (ver fig. 01).
A descendência escreve Tramonte, constitui o principal patrimônio espiritual da família-de-santo. Afirma, ainda, que “são, portanto, motivo de grande prestígio social e religioso e reconhecimento público do líder. É o caso de Guilhermina Barcelos, a conceituada Mãe Ida, que cita com orgulho seu “parentesco de santo”. A longa e exaustiva lista de seus filhos-de-santo “feitos”, bem como as raízes de sua ascendência, é um signo marcante de sua ancestralidade “no santo” e, portanto, prova da solidez de sua formação dentro da tradição religiosa afro-brasileira.




[1] TRAMONTE, Cristiana. Com a bandeira de Oxalá: trajetórias, práticas e concepções das religiões afro-brasileiras na grande Florianópolis. Florianópolis: Ed. da UNIVALI, 2001.
______. Tecendo a rede urbana entre tradição e modernidade: a família-de-santo nas religiões afro-brasileiras. In: CONGRESO VIRTUAL DE ANTROPOLOGIA Y ARQUELOGIA, 3., 2002, Barcelona. Relação de Trabalhos. 2002. disponível no site: http://www.naya.org.ar/congreso2002/ponencias/cristiana_tramonte.htm. Acesso em: 15 jul. 2009.

[2]  Informações colhidas pessoalmente de Mãe Ida em 1996, pela autora, por ocasião da obrigação de 14 anos de ialorixá de Almas e Angola da mãe Dilma de Iemanjá, no TURI. Estas informações podem ser confirmadas no site de Clóvis Tupiniquim Barbosa (site: www.saocosmedamiao.com.br) e nos livros de Giovani Martins, cfr. ref. bibliográficas.